Bonita,
essa Lia! Enorme, mulher de metro e oitenta. Os cabelos desarrumados,
blusa florida, e calça jeans, pés gigantescos em sandália de couro cru.
Não está nada à vontade, devemos ser mais alguns daqueles forasteiros
que vêm para tirar fotografias, posar ao lado se possível com um sorriso
que por enquanto economiza, como também raciona as palavras... "E
vive de quê, a Lia?" Da profissão de merendeira escolar, empregada
do Estado". "Ganho Salário." ... Pergunto se ela não quer
participar do disco do Capiba, diz que vai sim e não tenho muito por que
acreditar. Promessas deve receber a toda hora, nota-se isso no olhar
entristecido que quase nunca se fixa no interlocutor, vagueia de um lado
para outro, como se buscasse na linha do horizonte as palavras de seu
fraseado curto, quase monocórdio. E como é na hora da ciranda, hein Lia?
"É cachorro amarrado e pau comendo!" Aí desamarra a boca,
solta-se um pouco mais, parece que vejo os seios bufarem quando fala de
ciranda. E aí começa a cantar uma que Capiba lhe fez de presente:
"Minha ciranda não é minha só / é de todos nós / a melodia
principal quem guia é a primeira voz / pra se dançar ciranda / juntamos
mão com mão / formando uma roda / cantando uma canção..." ... E
uma ciranda come solta no estúdio três por quatro da Somax. Lia
cirandeira de Itamaracá toda sorridente e festeira, primeira dama
destituída de outros privilégios que não seu próprio talento de mulher
do povo!
As
cirandas pernambucanas de Lia estão na boca de toda a gente, na alegria
das pessoas se dando as mãos, cirandando em volta dela. E na verdade essa
mulher de quarenta anos, meiga às vezes, e justamente desconfiada quase
sempre, é para muitos apenas uma dessas peças de artesanato urdidas em
barro e que vão ornamentar uma estante...
Deixo
Lia à porta do estúdio. Parece até que está feliz... vai com Deus,
Lia. Toma conta Dele direitinho...
Hermínio
Bello de Carvalho |