Elomar nasceu em Vitória da Conquista, em 21 de dezembro
de 1937. E para falar sobre ele, insiro aqui o texto de Vinícius de Moraes, para
a contracapa do LP "Elomar ...das barrancas do Rio Gavião", de 1973:
"A mim me parece um disparate que exista mar em seu nome, porque
um nada tem a ver com o outro, No dia em que "o sertão virar mar", como na
cantiga, minha impressão é que Elomar vai juntar seus bodes, de que tem uma grande
criação em sua fazenda "Duas Passagens", entre as serras da Sussuarana e da
Prata, em plena caatinga baiana, e os irá tangendo até encontrar novas terras áridas,
onde sobrevivam apenas os bichos e as plantas que, como ele, não precisam de umidade para
viver; e ali fincar novos marcos e ficar em paz entre suas amigas as cascavéis e as
tarântulas, compondo ao violão suas lindas baladas e mirando sua plantação particular
de estrelas que, no ar enxuto e rigoroso, vão se desdobrando à medida que o olhar se
acomoda ao céu, até penetrar novas fazendas celestes além, sempre além, no infinito
latifúndio.
Pois assim é Elomar Figueira de Melo: um príncipe da caatinga, que o
mantém desidratado como um couro bem curtido, em seus 34 anos de vida e muitos séculos
de cultura musical, nisso que suas composições são uma sábia mistura do romanceiro
medieval, tal como era praticado pelos reis-cavalheiros e menestréis errantes e que
culminou na época de Elizabeth, da Inglaterra; e do cancioneiro do Nordeste, com suas
toadas em terças plangentes e suas canções de cordel, que trazem logo à mente os
brancos e planos caminhos desolados do sertão, no fim extremo dos quais reponta de
repente um cego cantador com os olhos comidos de glaucoma e guiado por um menino - anjo a
cantar façanhas de antigos cangaceiros ou "causos" escabrosos de paixões
espúrias sob o sol assassino do agreste.
Elomar nasceu em Vitória da Conquista, cidade que também deu vez a
Glauber Rocha e Zu Campos, e depois de formar-se em arquitetura pela Universidade Federal
da Bahia, ocupa atualmente o cargo de Diretor de Urbanismo em sua cidade. Mas do que gosta
realmente é de sua caatingueira, uma das mais ásperas do sertão brasileiro, onde
cria bodes e carneiros. Já me foi contado que um de seus reprodutores, o famoso bode
"Francisco Orellana", quando a umidade do ar apresenta seus índices mais baixos
- que usualmente é 10 graus - senta-se em posição estratégica sobre as patas traseiras
e não se peja de urinar na própria boca, de modo a aproveitar, num instintivo e
engenhoso recurso ecológico, a própria água do corpo para dessedentar-se.
E tem a onça. Vez por outra, a madrugada restitui a carcaça
sangrenta de um bode ou um carneiro, e todas as preocupações cessam, a não ser chumbar
a bicha. E a conversa entre os fazendeiros fica sendo apenas essa: onça, suas manias,
suas manhas, seus pontos fracos.
Todo mundo se oncifica. Elomar sai à noite para tocaiá-la, e quando
a avista só atira nela de frente.
- Um bicho que vem de tão longe para matar meus bodes, esse eu respeito! - diz ele em seu
sotaque matuto (apesar da boa cultura geral que tem) e que faz questão de não perder por
nada, enojado que está da nossa suposta civilização.
Quando lhe manifestei desejo de passar uns dias em sua companhia e de
sua família (Elomar é casado e tem um par de filhos, sendo que a menina tem o lindo nome
de Rosa Duprado) para descobrir, em sua companhia e ao som do excelente violão que toca,
essas estrelas reconditas que já não se consegue mais ver nos nossos céus
poluídos,
Elomar me disse:
- Pode vir quando quiser. Deixe só eu ajeitar a casa, que não está boa, e afastar um
pouco dali minhas cascavéis e minhas tarântulas...
É... Quem sabe não vai ser lá, no barato das galáxias e da música
de Elomar, que eu vou acabar amarrando um bode definitivo e ficar curtindo uma de pastor
de estrelas..."
Vinícius de Moraes
Abril de 1973
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