A família de Marlui Miranda sempre teve com a música uma
relação de prazer. Sua mãe, sem nunca ter estudado ou mesmo tocado violão, foi quem
afinou pela primeira vez o instrumento que Marlui havia ganho. Nesta época a família
ainda morava em Fortaleza, onde Marlui nasceu em 1949. Quando tinha 5 anos,
mudaram-se para o Rio de Janeiro, a partir de onde o pai, engenheiro,
resolveu encarar o
desafio de ajudar a construir Brasília. Era 1959.
Marlui começou a estudar violão no ginásio, em meio à efervescência
cultural. Já na faculdade de Arquitetura, ela começou a freqüentar as reuniões que
traziam à Brasília nomes como Jacob do Bandolim e Victor Assis Brasil. A música
instrumental despertou em Marlui o gosto pela composição. O canto ficou escondido pela
timidez. Apesar disso, em 68 ela ganhou o 1º prêmio como intérprete e compositora no
Festival Estudantil da Universidade de Brasília. Marlui deixou a universidade e foi para
o Rio disposta a viver de música.Começou a cantar com Egberto Gismonti e através dele
conheceu Taiguara, com quem viajou por todo Brasil fazendo shows como guitarrista do grupo
que o acompanhava.
Em meados de da década de 70 Marlui começou a estudar violão clássico
com Jodacil Damasceno e Turíbio Santos. Passou a cantar e tocar violão com Jards Macalé
e teve uma música sua, "Airecillos" , gravada por Ney Matogrosso no LP "
Bandido". Marlui também organizou, junto com o poeta Xico Chaves, o projeto "
Circuito Aberto de MPB", realizado no Teatro Gil Vicente, Rio de Janeiro, e
reunia
novos artistas que tentavam vencer aqueles tempos difíceis de sufoco e censura dos anos
70.
Depois de muitos shows como este, surgiu uma grande oportunidade: Marlui
foi convidada pelo amigo Egberto a participar de seu grupo Academia de Danças. Foram mais
de dois anos de excursões pelo Brasil, em apresentações onde Marlui cantava e tocava
violão, percussão e cavaquinho.
Em 78 fez a sua primeira viagem a Rondônia e , em 79, lançou pela
gravadora Continental seu primeiro LP, "Olho D'água". Gravado e mixado em
apenas uma semana, o LP foi saudado com grande entusiasmo pela crítica. O ano seguinte
foi uma maratona de shows pelo Brasil e um desejo de se aprofundar no conhecimento da
música indígena , uma necessidade de pesquisa e reflexão. Em 81, em companhia de seu
companheiro, o fotógrafo Marcos Santilli, Marlui
partiu para uma viagem de seis meses pelo rio Guaporé, Mamoré, Pacas Novas e tantos
outros, todos em Rondônia, numa cuidadosa pesquisa e documentação de hábitos e
músicas de índios e seringueiros, estabelecendo uma relação de objetividade com a
natureza do lugar. Observando a relação do homem com aquele meio, Marlui aprendeu na
prática a relacionar os fenômenos locais como parte de um todo e passou também a sentir
necessidade de preservar o repertório musical daquele povo.
De volta a São Paulo, onde já vivia desde 78, Marlui preparou, gravou e
finalmente lançou em 83 o segundo LP "Revivência". Já em esquema
independente, contando com sua própria produtora, "Memória Discos e
Edições", " Revivência" foi o primeiro resultado deste contato de Marlui
com um Brasil geralmente esquecido e entregue à própria sorte.
O segundo resultado das andanças de Marlui e Marcos Santilli foi a
produção do LP " Paiter Merewá", com músicas feitas e cantadas pelos índios
Suruís, de Rondônia. Esse Lp foi lançado em 85 e antes disso Marlui esteve envolvida na
composição das trilhas sonoras dos filmes " Jarí" de Jorge Bodanszki e
"Povo da Lua, Povo de Sangue", de Cláudio Andujar. No final de 85 Marlui entrou
em estúdio para gravar " Rio Acima ", LP que traz canções que nos remetem
mais uma vez a um vasto e desconhecido país chamado Brasil.
Marlui ganhou uma bolsa da John Simon Guggenheim Memorial Foundation para
continuar a desenvolver seu projeto de recriação da música indígena da
Amazônia
Brasileira. Antes de ser um compromisso de trabalho, trata-se da certeza de um
prolongamento de prazer e alegria. Afinal, o único compromisso da música de Marlui
Miranda é com a qualidade.
Márcio Gaspar
(trechos do encarte do disco "Rio Acima" de Marlui Miranda) |