Penhasco
Música
e Letra: Maurício Pereira
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A cidade me paga. Me paga algum
dinheiro qualquer pra que tarde da noite na
madrugada de algum dia de semana eu saia
da cidade e me mantenha quieto e só contra
a escuridão quieta e só da noite quieta e
estrelada ou não.
A cidade me paga. Me paga algum
dinheiro qualquer pra que eu vá sentar lá no
penhasco, ali um pouco além, junto do mar.
Pra que exatamente eu fique ali um pouco
além dos limites da cidade (que repousa e já não
tão à beira-mar...). Ali. Vigilante. E num certo
sentido alheio.
E é no breu que aflora o marulho
vibrante. As baixas freqüências. O vento frio
é doce e obedece à vida noturna: que tipo de
resposta eles tão querendo que eu arranje
imediatamente? Será que eu sou só café-
com-leite?
A cidade me paga. Me paga algum
dinheiro qualquer, e fica tudo por minha conta,
tudo surdo, tudo apegado: a brisa do mar
- agora chorosa - volta a cantar. Me conta de
flores (já que as estrelas estão esgotadas). A
meia-lua não entra. Meia-noite e meia. E nada.
Rastros de nada, nada de certeza reta.
Feliz ou infelizmente, perguntas e mais
perguntas. Esses leques de perguntas não têm
fim, são simples e sem resolução. Matemáticas
que não dependem de mim.
E eu volto pra cidade com leques de
perguntas sem fim. Sem chance. Eles querem
respostas, propostas, fatos, qualquer coisa
visível a olho nu. Um simples refrão já resolve,
mata de contentamento. Mas por ora o que
temos são perguntas.
Pergunta, resposta, coisa nenhuma,
ninguém: eventualmente o vazio espesso sugere
a sensação da presença ou da ausência de um
deus. E ele esteve ali, agora mesmo, aos urros.
E não deixou rastro um segundo depois (tendo
ou não estado ali um segundo atrás).
E uma breve vez os ruídos no precipício
foram sussurros de namorados. Eu me atirei pra
a cidade, alegre. Dúzias de canções de amor
na mão. Canções em que todos são felizes para
sempre. Por quase um dia ou dois.
Não.
Na noite seguinte eu já confrontava a
figura do penhasco na friagem marítima e
a palavra especular tornava a ter o sentido
justo de uma noite alguém sair do centro
da cidade, transpor as muralhas, ir reto e
lerdo pro centro da noite e nas beiradas do
penhasco se tornar micróbio, respirar fundo
e, sem pestanejar, saltar ligado, com os olhos
bastante arregalados, rumo a novas coisas
nenhumas. Esquadrinhar com as unhas um
momento de pedra antes que ele atinja a
velocidade do infinito. Ir dar de cara com
rochedos incertos, costões antigos, o gosto
salgado - gelado - das tais perguntas de
sempre. Possíveis ou impossíveis de fazer.
Possíveis ou impossíveis de se perceber quais
são. Possíveis ou impossíveis de se entender
onde querem chegar.
E se incrustar à não presença largada
lá, lembrando, mais que escondendo, o quê e
quem nos chegou pelas praias. Lágrimas de
saudade. Lágrimas de remorso. Sua cabeça
eternamente baixa. E um olhar que, enquanto
isso, media possibilidades...
A cidade me paga. Me paga algum
dinheiro qualquer pra que tarde na noite, no
meio da madrugada, eu saia da cidade quieto
e só e vá penetrar a vertigem a seco, e vá
perder o equilíbrio sobre o penhasco, além
dos limites da cidade, tipo assim um farol
desnorteado que chorasse de dor ao perceber
que tenta clarear um caminho que não tem o
poder de enxergar com a alma.
Vigilante e mais além.
Imóvel e mais além.
Quieto e mais além.
Só e mais além.
Nada. E mais além.
Voz cantada: Maurício Pereira
Voz falada: Alice Ruiz
Bateria: Leandro Paccagnella
Baixo: Mano Bap
Guitarra: Tonho Penhasco
Guitarra: Luzi Waack
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PRAMARTE
Participação:
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PENHASCO |
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