Sou um
brasileiro típico, vira-lata nascido em Sampa , em 09/08/1964, filho das
duas maiores correntes migratórias que passaram por aqui. Meu pai é
descendente direto de italianos, vindos de uma pequena cidade ao sul da
Itália chamada Tito, daí a origem do meu sobrenome "Lotito". Minha mãe é
mulata de pele clara, baiana de Salvador, filha de múltiplas e indecifráveis
misturas, provavelmente negro, índio e português ou espanhol, de quem
emprestei o "Padilha".
De minha mãe herdei canções de Luiz Gonzaga, marchinhas de carnaval,
histórias de tradição oral, o gosto pelo canto e por picadinho de carne de
segunda com quiabo, além de vatapá, farinha e pimenta.
Do meu pai, um engenheiro que toca violino, pinta, desenha e escreve, trago
talvez o bom humor, o espírito curioso, humanista, ateu e multidisciplinar.
Além, é claro, da macarronada e outras delícias culinárias preparadas pela
minha avó Antonieta e minha tia Nilza.
Tive uma infância de classe média absolutamente normal, no bairro do Campo
Belo, onde brinquei na rua de esconde-esconde, rolimã, pipa, futebol, taco,
bicicleta e tudo mais.
Minha lembrança mais remota ligada à música são as canções de ninar que
minha mãe cantava, e uma viagem que fizemos de carro à Salvador.
Eu tinha sete anos. Minhas irmãs queridas, Denise e Márcia, tinham,
respectivamente, 5 e 2 anos. A Marta, nossa babá/empregada, que devia ter
uns 14 anos, também foi. A viagem durou três dias... Imagina a zona!
Não sei se havia carro com toca-fitas na época, mas tenho certeza que no
nosso não tinha. Para passar o tempo, minha mãe cantava e meu pai batucava
com a aliança no volante do carro, o volante duro e sonoro de uma Volks
Wagen Variant bege. Aprendi muitas canções nesta viagem. Lembro de várias
até hoje, acho que era basicamente Luiz Gonzaga e Braguinha, canções da
juventude da minha mãe. Provavelmente escolhia as mais alegres, deixando de
lado as da Ângela Maria, que ela também adorava.
Aos 10 anos, descobri um violão velho em casa e comecei a estudar com uma
professora do bairro. Tinha facilidade para tocar e cantar. Durante a
adolescência passei por vários professores de violão. Estudava um semestre,
enjoava, parava um semestre, mudava de professor.
Ouvia muita MPB, deitado no sofá com o encarte do vinil na mão. Chico,
Caetano, Gil, Gal, Bethânia, e uma coletânea de sambas em fita cassete que
tinha Novos Baianos (Besta é Tu), Paulinho da Viola (Foi um Rio...),
Martinho da Vila( Pagode do Vavá) e outros. Abri o pulso de tanto batucar no
criado-mudo do quarto dos meus pais ouvindo esta fita.
Mas o que eu adorava mesmo era o Milton Nascimento. Especialmente uma
coletânea da Abril, que vendia nas bancas de jornal, acompanhada de um
encarte/revista. Era um vinil menor que os outros, com umas quatro faixas de
cada lado. Tinha Milagre dos Peixes, Travessia, Meu Pai Grande, Aviões da
Panair e outras. Eu cantava o disco inteiro, tentando imitar os falsetes e
agüentar as notas longas do Milagre dos Peixes ("...a nossa doooooooor...").
Ouvia também o que tocava no rádio. Disco Music (Donna Summer, Chic e muitos
outros). Ia gravando da rádio FM, novidade da época!
Paulo Padilha
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