Uma canção desnaturada

(Chico Buarque)

Por que creceste, curuminha assim depressa, e estabanada

Saíste maquilada dentro do meu vestido

Se fosse permitido eu revertia o tempo

Pra reviver a tempo de poder

Te ver as pernas bambas, curuminha, batendo com a moleira

Te emporcalhando inteira, e eu te negar meu colo

Recuperar as noites, curuminha que atravessei em claro

Ignorar teu choro e cuidar só de mim

Deixar-te arder em febre, curuminha, cinquenta graus, tossir, bater o queixo

Vestir-te com desleixo, tratar uma ama-seca

Quebrar tua boneca, curuminha, raspar os teus cabelos

E ir te exibindo pelos botequins

Tornar azeite o leite do peito que mirraste

No chão que engatinhaste, salpicar mil cacos de vidro

Pelo cordão perdido te recolher pra sempre

À escuridão do ventre, curuminha

De onde não deverias nunca ter saído