Clarisse

(Renato Russo)

Estou cansado de ser vilipendiado, incompreendido e descartado
Quem diz que me entende nunca quis saber
Aquele menino foi internado numa clínica
Dizem que por falta de atenção dos amigos, das lembranças
Dos sonhos que se configuram tristes e inertes
Como uma ampulheta imóvel, não se mexe, não se move, não trabalha
E Clarice está trancada no banheiro
E faz marcas no seu corpo com seu pequeno canivete
Deitada no canto, seus tornozelos sangram
E a dor é menor do que parece
Quando ela se corta ela esquece
Que é impossível ter da vida calma e força
Viver em dor, o que ninguém entende
Tentar ser forte a todo e cada amanhecer
Uma de suas amigas já se foi
Quando mais uma ocorrência policial
Ninguém entende, não me olhe assim
Com este semblante de bom samaritano
Cumprindo o seu dever, como se fosse doente
Como se toda essa dor fosse diferente, ou inexistente

Nada existe pra mim, não tente
Você não sabe e não entende
E quando os anti-depressivos e os calmantes não fazem mais efeito
Clarice sabe que a loucura está presente
E sente a essência estranha do que é a morte

Mas esse vazio ela conhece muito bem
De quando em quando é um novo tratamento
Mas o mundo continua sempre o mesmo
O medo de voltar pra casa à noite

Os homens que se esfregam nojentos
No caminho de ida e volta da escola
A falta de esperança e o tormento
De saber que nada é justo e pouco é certo

E que estamos destruindo o futuro
E que a maldade anda sempre aqui por perto
A violência e a injustiça que existe
Contra todas as meninas e mulheres

Um mundo onde a verdade é o avesso
E a alegria já não tem mais endereço
Clarice está trancada em seu quarto
Com seus discos e seus livros, seu descanso

Eu sou um pássaro
Me trancam na gaiola
E esperam que eu cante como antes

Me trancam na gaiola
Mas um dia eu consigo existir
E vou voar pelo caminho mais bonito
Clarice só tem 14 anos

Colaboração: Gelson Goulart