Na pancada do ganzá

(Antonio Nóbrega e Wilson Freire)

eu estava em casa 
mastigando o pensamento
olhando pro firmamento
que era noite de luar
e de repente
uma estrela cadente
piscando na minha frente
parou pra me falar
ela me disse
meu poeta camarada
tome aqui, quero lhe dar
um presente magistral
e foi tirando
do seu peito colossal
um instrumento real
que ela chamava ganzá

meu ganzá, meu ganzarino 
meu ganzarino real
gira o mundo, treme a terra
e eu na pancada do ganzá

quando eu peguei
meu ganzá pra cantar coco
eu pensei que tava louco
eu não pude acreditar
pois na primeira
batida da minha mão
meu ganzá caiu no chão
e deitou logo a falar
salve o coquista
que chegou de longe agora
você veio bem na hora
de poder me resgatar
da solidão
onde eu tenho vivido
onde têm me escondido
para eu não me revelar

meu ganzá, meu ganzarino 
meu ganzarino real
gira o mundo, treme a terra
e eu na pancada do ganzá

sou um instrumento
pequeno, feio, chinfrim
que trago dentro de mim
basculho pra sacolejar
garrafa velha
qualquer coisa reciclada
dou beleza ritmada
quando vêm me balançar
dou marcação
pro samba, pro fox-trote
pro baião, forró e xote
e o que mais venham inventar
e o que vier
até som do outro mundo
sou primeiro sem segundo
na arte de ritmar
meu ganzá, meu ganzarino
meu ganzarino real
gira o mundo, treme a terra
e eu na pancada do ganzá

e o ganzá 
se colou na minha mão
apertei ele e então
senti forte um balançar
fazia assim
tum tum tum tum tum tum tum
como no peito o baticum
que tá pronto pra amar
fomos cantando
o país do futebol
da amazônia, praia e sol
do babau, do boi-bumbá
do carnaval
do são joão, da cavalhada
do repente, da congada
da catira e do guará
esse país, 
feio, rico, pobre, lindo
que eu não sei pr'onde tá indo
mas eu sei que chega lá
fomos ouvir
a floresta tropical
o sertão, o litoral
ver a seca, a preamar