Fora da Ordem

(Caetano Veloso)

Int.: 
Vapor Barato, um mero serviçal do narcotráfico, 

Foi encontrado na ruína de uma escola em construção 

Aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína 

Tudo é menino e menina no olho da rua 

O asfalto, a ponte, o viaduto ganindo pra lua 

Nada continua 

E o cano da pistola que as crianças mordem 

Reflete todas as cores da paisagem da cidade que é muito mais bonita 

E muito mais intensa do que um cartão postal 

Alguma coisa está fora da ordem 

Fora da nova ordem mundial 

Escuras coxas duras tuas duas de acrobata mulata, 

Tua batata da perna moderna, a trupe intrépida em que fluis 

Te encontro em Sampa de onde mal se vê quem sobe ou desce a rampa 

Alguma coisa em nossa transa é quase luz forte demais 

Parece pôr tudo à prova, parece fogo, parece, parece paz 

Parece paz 

Pletora de alegria, um show de Jorge Benjor dentro de nós 

É muito, é grande, é total 

Alguma coisa está fora da ordem 

Fora da nova ordem mundial 

Meu canto esconde-se como um bando de ianomânis na floresta 

Na minha testa caem, vêm colar-se plumas de um velho cocar 

Estou de pé em cima do monte de imundo lixo baiano 

Cuspo chicletes do ódio no esgoto exposto do Leblon 

Mas retribuo a piscadela do garoto de frete do Trianon 

Eu sei o que é bom 

Eu não espero pelo dia em que todos os homens concordem 

Apenas sei de diversas harmonias bonitas possíveis sem juízo final 

Alguma coisa está fora da ordem 

Fora da nova ordem mundial