Cinema novo

(Gilberto Gil e Caetano Veloso)

O filme quis dizer: "Eu sou o samba"
A voz do morro rasgou a tela do cinema
E começaram a se configurar
Visões das coisas grandes e pequenas
Que nos formaram e estão a nos formar
Todas e muitas: Deus e o Diabo
Vidas Secas, Os Fuzis
Os Cafajestes, O Padre e a Moça, A Grande
Feira, O Desafio
Outras conversas, outras conversas
Sobre os jeitos do Brasil
Outras conversas sobre os jeitos do Brasil
A bossa-nova passou na prova
Nos salvou na dimensão da eternidade
Porém, aqui embaixo "a vida"
Mera "metade de nada"
Nem morria nem enfrentava o problema
Pedia soluções e explicações
E foi por isso que as imagens do país desse cinema
Entraram nas palavras das canções
Entraram nas palavras das canções
Primeiro, foram aquelas que explicavam
E a música parava pra pensar
Mas era tão bonito que parasse
Que a gente nem queria reclamar
Depois, foram as imagens que assombravam
E outras palavras já queriam se cantar
De ordem, de desordem, de loucura
De alma à meia-noite e de indústria
E a terra entrou em transe, ê
No sertão de Ipanema
Em transe, ê

No mar de Monte Santo

E a luz do nosso canto

E as vozes do poema

Necessitaram transformar-se tanto

Que o samba quis dizer

O samba quis dizer: "Eu sou cinema"

O samba quis dizer: "Eu sou cinema"

Aí o anjo nasceu

Veio o bandido meteorango

Hitler Terceiro Mundo

Sem Essa, Aranha, Fome de Amor

E o filme disse: "Eu quero ser poema"

Ou mais: "Quero ser filme, e filme-filme"

Acossado no limite da garganta do diabo

Voltar à Atlântida e ultrapassar o eclipse

Matar o ovo e ver a Vera Cruz

E o samba agora diz: "Eu sou a luz"

Da lira do delírio, da alforria de Xica

De toda a nudez de Índia

De flor de Macabéia, de Asa Branca

Meu nome é Stelinha, é Inocência

Meu nome é Orson Antônio Vieira

Conselheiro de Pixote Super Outro

Quero ser velho, de novo eterno

Quero ser novo de novo

Quero ser Ganga Bruta e clara gema

Eu sou o samba, viva o cinema

Viva o Cinema Novo